Notícias

Amplificando as vozes indígenas em tempos de pandemia

O apoio e capacitação para comunicação indígena fortalece comunidades e organizações locais para a gestão de seus territórios e luta por direitos.

“A comunicação é importante para o movimento indígena para podermos mostrar a luta das comunidades”, afirma Cristian Wariu, youtuber indígena com experiência na produção de conteúdos de comunicação para redes sociais que reforçam a diversidade dos povos indígenas do Brasil e as lutas das comunidades. Filho de lideranças do Povo Xavante, do Mato Grosso, Cristian afirma que “comunicar é uma possibilidade também de mostrar a nossa verdadeira face para as pessoas, mostrando a nossa diversidade para combater aquela ideia de indígena estereotipada que foi reforçada por muito tempo”.

Com o apoio da The Nature Conservancy, em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e realização conjunta com o Coletivo 105, Cristian foi um dos responsáveis pelo início da iniciativa Guerreiros Digit@is, por meio da capacitação de indígenas para criação de conteúdo digital e utilização de ferramentas e plataformas de comunicação. O objetivo, além de contribuir para a formação técnica de novos profissionais indígenas atuando na área da comunicação, foi fortalecer uma rede de comunicadores que fazem parte da Federação de Povos Indígenas do Pará (FEPIPA), Federação dos Povos Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT) e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP). 


Ao longo de 7 meses foram realizadas aulas e reuniões virtuais com jovens representantes de 20 povos indígenas dos estados do Mato Grosso, Pará e Amapá. O conteúdo do curso incluía introdução à comunicação, "etnomídia" e a importância dos comunicadores indígenas e da comunicação como ferramenta para proteção de direitos, além de incluir temas como fotografia, jornalismo digital, design gráfico e redes sociais, demonstrando também princípios básicos para produção de vídeos e podcasts. A grade também contou com processos práticos de criação de materiais de comunicação digital, sempre com a preocupação de que as aulas atendessem a alunos com diversos perfis, entre comunicadores indígenas mais experientes e também jovens e lideranças que estão começando seus trabalhos na área.

 

Quote: Cristian Wariu

Comunicar é uma possibilidade também de mostrar a nossa verdadeira face para as pessoas, mostrando a nossa diversidade para combater aquela ideia de indígena estereotipada que foi reforçada por muito tempo.

Youtuber indígena

Simone Karipuna é coordenadora da APOIANP e já vê os benefícios de trabalhar com os comunicadores indígenas formados. ”O Guerreiros Digit@is estimulou muito nossa juventude a melhorar as habilidades com os meios de comunicação digital. E pra nós é importantíssimo o uso da tecnologia e comunicação, que nos garante esses espaços de fala e a exposição dos nossos pensamentos, da nossa cultura e da nossa luta”, afirma Simone.

A rede de comunicadores já lançou o canal Guerreiros Digit@is no Instagram, que tem compilado material produzido pelo grupo. A ideia é que a rede se consolide como instrumento de comunicação das organizações indígenas e que seja fortalecida por ações de formação continuada entre os indígenas capacitados, assim como incentivos e mentorias para a produção de conteúdos e participação em editais voltados a comunicadores indígenas. A referência é o trabalho realizado pela Mídia Índia, rede colaborativa de comunicação sobre temas indígenas que ganha cada vez mais espaço nas redes sociais.

A iniciativa do curso surgiu de uma antiga mas ainda persistente necessidade observada pela Rede COIAB de formar comunicadores que possam contribuir na comunicação entre os indígenas mas também levar as informações da aldeia para fora. Esse fluxo de comunicação é essencial especialmente durante o período de pandemia, já que a circulação dos indígenas está reduzida para evitar a disseminação da COVID-19, impactando a comunicação externa mas também impossibilitando a realização de reuniões e assembleias presenciais importantes para deliberar assuntos essenciais para a gestão das Terras Indígenas. 

Quote: Simone Karipuna

E pra nós é importantíssimo o uso da tecnologia e comunicação, que nos garante esses espaços de fala e a exposição dos nossos pensamentos, da nossa cultura e da nossa luta.

Coordenadora da APOIANP

Desde o início das limitações de circulação impostas pela pandemia, indígenas tem precisado se adaptar para participação em eventos virtuais, mantendo ativas suas vozes em importantes espaços de discussão. Em setembro de 2020, por exemplo, aconteceu a 7ª Semana do Extrativismo da Terra do Meio, reunindo virtualmente, pela internet e pelo rádio, indígenas e representantes de comunidades tradicionais, empresas e governos locais para discutir a bioeconomia e atividades de uso sustentável das comunidades que integram a Rede de Cantinas da Terra do Meio, em Altamira-PA e região do Médio Xingu.

A internet também foi essencial para a realização da assembleia geral da FEPIPA, no início de 2021. O evento teve que ser adiado por várias vezes e atrasou o processo de atualização do estatuto e regularização da organização, além da eleição da nova coordenação. Com o apoio da TNC, a assembleia foi realizada virtualmente no dia 25 de janeiro e contou com a participação de cerca de 80 pessoas, que puderam eleger seus novos representantes e validar os documentos por meio de assinaturas digitais. Especialmente em um estado de grandes dimensões como o Pará, a assembleia pela internet possibilitou a participação de mais representantes do que seria possível em um evento presencial, além de ter menor custo para deslocamento e demais gastos logísticos. 

Essa nova interface para realização dos debates ajuda a reduzir as distâncias na Amazônia. “Dessa forma, a gente consegue fazer com que a gente tenha uma aproximação muito maior com as nossas bases de apoio, porque a comunicação chega lá nas aldeias”, reforça Simone Karipuna. Uma solução viável para minimizar riscos durante a pandemia e manter a agenda de debates para gestão das Terras Indígenas.

Apoiar lideranças e organizações indígenas para a inovação frente aos seus novos desafios, através do uso de novas ferramentas,  como a capacitação de comunicadores indígenas e adaptação para reuniões virtuais, são mais um passo dos povos indígenas para fortalecer sua incansável luta para proteger seus direitos e garantir autonomia na gestão de seus territórios. “Precisamos mostrar que existimos nesse país e resistimos até hoje, enfrentando batalhas pelos nossos territórios. Uma luta muito bonita que sempre existiu, mas nunca foi muito bem comunicada”, conclui Cristian.